4 de agosto de 2020

Cuidado com as ditas "embalagens econômicas".

Pode parecer exagero meu, mas eu sempre tenho a curiosidade de verificar, quando vou ao supermercado, se a “embalagem econômica” de um produto é mesmo econômica como está anunciado. Frequentemente isso é uma propaganda enganosa. Acontece bastante de duas embalagens de 400 gramas de um achocolatado custar menos do que uma embalagem de 800 gramas que, ainda por cima, vem num pacote plástico.

Mas nem sempre a conta é tão fácil, e é bom ter uma calculadora à mão. Antes de andarmos todos com smartphones cheios de aplicativos e câmeras, era preciso fazer as contas de cabeça. A tecnologia veio tornar tudo mais fácil, mesmo que estimule a preguiça.

Como se não bastasse, os próprios supermercados agora já fazem a conta para nós. Se você compra um tubo de pasta de dentes de 120 gramas, claro que ele custa mais que um de 90 gramas, mas será que compensa mesmo pegar a embalagem maior? Pois as etiquetas dos preços nas gôndolas das grandes redes já trazem a informação que permite comparar preços de produtos em quantidades diferentes.

Normalmente esse preço é calculado por quilo, por litro ou alguma outra unidade padronizada. Então fica fácil saber se é mais econômico comprar o garrafão de 5 litros de amaciante ou o de 2 litros, porque nas duas etiquetas estará a informação do preço por litro. O supermercado já faz a conta de divisão para você. Ele dividem o preço da embalagem de 5 litros por cinco e o preço da embalagem de 2 litros por dois. Assim você fica sabendo qual é mais vantajoso.

Mesmo assim, ainda não há alguém para supervisionar se os preços das embalagens econômicas realmente compensam. Seria de se esperar que um pacote de 5 quilos de sabão em pó custasse, por quilo, menos que uma embalagem de 800 gramas. Mesmo incoerente, a embalagem econômica pode não trazer tanta economia.

Outro dia, quando fui ao mercado, descobri que o problema é ainda pior do que isso. Quem calcula o preço por quilo dos produtos, pelo jeito, ou não tem o conhecimento mínimo necessário para fazer a conta, ou é desatento.


Vejam essas duas etiquetas que encontrei no mesmo supermercado. São de pacotes com seis sabonetes. Para calcular o preço por quilo do pacote devemos fazer a seguinte conta. Cada sabonete pesa 85 gramas. Se são seis unidades no pacote, devemos multiplicar isso por seis, o que resulta em 510 gramas cada pacote. Para converter isso para quilogramas, é só dividir por 1000. Então, o peso daquele conjuntinho de seis sabonetes é 0,51 kg. Para calcular o preço por quilo, é só dividir o preço na etiqueta por 0,51.

Então como pode o preço por quilo de um pacote ser R$ 15,67 e o do outro ser R$ 140,00? O que será que há de tão valioso naquele sabonete? Ouro? Algum cosmético mágico? É feito com água legítima da fonte da juventude?

Se quisermos fazer rapidamente uma continha de cabeça, 510 gramas é praticamente meio quilo, então o preço do quilo deveria ser mais ou menos o dobro do preço do pacote. Só que o dobro de R$ 11,90 não é R$ 140,00. Deveria ser algo em torno de R$ 23,80.

Conclusão. Houve um erro de raciocínio da pessoa que inseriu os dados no sistema. Em lugar de considerar as seis unidade da embalagem, ele fez as contas como se o preço se referisse a apenas um sabonete de 85 gramas. Transformando esse peso em quilogramas (dividindo-o por 1000), temos 0,085 quilos. Então, se dividirmos o preço de R$ 11,90 por 0,085 quilos, resulta exatamente em R$ 140,00 por quilo. Mas como há seis sabonetes no pacote, esse valor está inflacionado. O preço verdadeiro do quilo de sabonete é um sexto disso, ou seja, R$ 23,33 (bem perto daquela continha que fizemos de cabeça ali em cima).

O conhecimento é sempre a melhor arma que temos para não sermos enganados. Não acredito que houve má fé do mercado ao colocar esses preços. Acho que foi apenas engano. Mas o engano do funcionário engana o consumidor, por isso devemos tomar cuidado. No entanto, já não sei se posso considerar engano uma “embalagem econômica” custar mais caro que a embalagem normal. Isso, sim, parece má fé.

Fique de olho.



22 de março de 2020

Depois da pandemia (uma crônica)


Estamos em dezembro de 2020 e, assim como ocorreu em março e abril, estamos com uma superlotação dos hospitais. Dessa vez não é por conta de nenhum vírus mortal nem medo de contágio. Vivenciamos mais um baby boom.



O noticiário da TV entrevista uma mamãe que acaba de ganhar trigêmeos – uma menina e dois meninos:
— Foi uma surpresa para a senhora nascerem três de uma vez?
— Olha… Pelo tempo que ficamos presos dentro de casa, eu nem me espantaria se na semana que vem nascerem mais alguns…
— E a senhora já escolheu os nomes.
— Já. A menina será Maria Corona, e os meninos serão Virusley e Arco Gerson.
O mais surpreendente é ver como o mundo mudou. Acostumamo-nos a ficar em casa. Empregos desapareceram e outros cresceram vertiginosamente. Hoje parece que todo mundo é entregador, artista ou youtuber. As assinaturas de TV por streaming cresceram tanto que a maioria das séries já foram maratonadas e zeradas por quase todo mundo. Estúdios de animação estão ficando milionários, porque os atores ainda não querem ir pros estúdios. Aqueles que se arriscam são evitados nas ruas e clamados na TV. Sem contar que os filmes mudos estão voltando à moda por falta de coisa nova.
Aulas de tricô e crochê estão em alta nos cursos on-line. Quem sabe fazer, ensina. Máscaras e luvas são os mais procurados. Mas quem está ganhando dinheiro com isso é quem entende de moda. As máscaras de crochê com desenhos de bocas realistas ficaram na moda por algum tempo, mas logo desistiram delas, porque as pessoas fugiam de quem as usava pensando que eram alguns malucos que ainda ousam andar desprotegidos.
Ah, sim. Tem algumas seitas que pregam ser seguro sair às ruas sem proteção. Podem ser vistos andando agrupados em plena luz do dia, sempre fugindo da polícia. Alguns chegaram a dar entrevistas para corajosos repórteres paramentados como astronautas:
— Mas vocês não têm medo de ser infectados?
— Cara, isso já passou. A epidemia está controlada.
— Mas vocês acreditam apenas nisso, ou também fazem aquelas reuniões para defender que a Terra é plana?
Até a criminalidade mudou de tática. Não há mais turistas ricos para serem assaltados. Aliás, as lojas agora só vendem on-line e ninguém mais viaja. Então o jeito é se passar por entregador. Num condomínio de luxo em São Paulo invadiram um apartamento e fizeram a limpa. Dois bandidos estavam disfarçados de entregador e outros dois entraram escondidos numa caixa de máquina de lavar. Quando o dono da casa lhes apontou uma arma, os bandidos baixaram as máscaras, ameaçaram tossir e a família se rendeu. Entre outros bens de valor, levaram muitos pacotes de papel higiênico e vários galões de sabonete líquido e álcool gel.
Antes de saírem, os cruéis meliantes fizeram questão de passar as mãos nuas no chão, nas paredes e maçanetas para evitar serem seguidos.
Nesse aparente apocalipse, acostumamo-nos a uma nova realidade sem aglomerações. Apesar dos milhões de divórcios, o mundo até parece mais romântico. Pegar na mão passou a ser uma intimidade extremamente pudica. Fazer isso em público pode resultar em prisão por atentado despudorado à saúde pública. Beijo? O que é isso? Aparentemente as próximas gerações nem saberão como nascem as crianças. E o mundo, afinal, será repovoado pelos teimosos.