4 de agosto de 2020

Cuidado com as ditas "embalagens econômicas".

Pode parecer exagero meu, mas eu sempre tenho a curiosidade de verificar, quando vou ao supermercado, se a “embalagem econômica” de um produto é mesmo econômica como está anunciado. Frequentemente isso é uma propaganda enganosa. Acontece bastante de duas embalagens de 400 gramas de um achocolatado custar menos do que uma embalagem de 800 gramas que, ainda por cima, vem num pacote plástico.

Mas nem sempre a conta é tão fácil, e é bom ter uma calculadora à mão. Antes de andarmos todos com smartphones cheios de aplicativos e câmeras, era preciso fazer as contas de cabeça. A tecnologia veio tornar tudo mais fácil, mesmo que estimule a preguiça.

Como se não bastasse, os próprios supermercados agora já fazem a conta para nós. Se você compra um tubo de pasta de dentes de 120 gramas, claro que ele custa mais que um de 90 gramas, mas será que compensa mesmo pegar a embalagem maior? Pois as etiquetas dos preços nas gôndolas das grandes redes já trazem a informação que permite comparar preços de produtos em quantidades diferentes.

Normalmente esse preço é calculado por quilo, por litro ou alguma outra unidade padronizada. Então fica fácil saber se é mais econômico comprar o garrafão de 5 litros de amaciante ou o de 2 litros, porque nas duas etiquetas estará a informação do preço por litro. O supermercado já faz a conta de divisão para você. Ele dividem o preço da embalagem de 5 litros por cinco e o preço da embalagem de 2 litros por dois. Assim você fica sabendo qual é mais vantajoso.

Mesmo assim, ainda não há alguém para supervisionar se os preços das embalagens econômicas realmente compensam. Seria de se esperar que um pacote de 5 quilos de sabão em pó custasse, por quilo, menos que uma embalagem de 800 gramas. Mesmo incoerente, a embalagem econômica pode não trazer tanta economia.

Outro dia, quando fui ao mercado, descobri que o problema é ainda pior do que isso. Quem calcula o preço por quilo dos produtos, pelo jeito, ou não tem o conhecimento mínimo necessário para fazer a conta, ou é desatento.


Vejam essas duas etiquetas que encontrei no mesmo supermercado. São de pacotes com seis sabonetes. Para calcular o preço por quilo do pacote devemos fazer a seguinte conta. Cada sabonete pesa 85 gramas. Se são seis unidades no pacote, devemos multiplicar isso por seis, o que resulta em 510 gramas cada pacote. Para converter isso para quilogramas, é só dividir por 1000. Então, o peso daquele conjuntinho de seis sabonetes é 0,51 kg. Para calcular o preço por quilo, é só dividir o preço na etiqueta por 0,51.

Então como pode o preço por quilo de um pacote ser R$ 15,67 e o do outro ser R$ 140,00? O que será que há de tão valioso naquele sabonete? Ouro? Algum cosmético mágico? É feito com água legítima da fonte da juventude?

Se quisermos fazer rapidamente uma continha de cabeça, 510 gramas é praticamente meio quilo, então o preço do quilo deveria ser mais ou menos o dobro do preço do pacote. Só que o dobro de R$ 11,90 não é R$ 140,00. Deveria ser algo em torno de R$ 23,80.

Conclusão. Houve um erro de raciocínio da pessoa que inseriu os dados no sistema. Em lugar de considerar as seis unidade da embalagem, ele fez as contas como se o preço se referisse a apenas um sabonete de 85 gramas. Transformando esse peso em quilogramas (dividindo-o por 1000), temos 0,085 quilos. Então, se dividirmos o preço de R$ 11,90 por 0,085 quilos, resulta exatamente em R$ 140,00 por quilo. Mas como há seis sabonetes no pacote, esse valor está inflacionado. O preço verdadeiro do quilo de sabonete é um sexto disso, ou seja, R$ 23,33 (bem perto daquela continha que fizemos de cabeça ali em cima).

O conhecimento é sempre a melhor arma que temos para não sermos enganados. Não acredito que houve má fé do mercado ao colocar esses preços. Acho que foi apenas engano. Mas o engano do funcionário engana o consumidor, por isso devemos tomar cuidado. No entanto, já não sei se posso considerar engano uma “embalagem econômica” custar mais caro que a embalagem normal. Isso, sim, parece má fé.

Fique de olho.



22 de março de 2020

Depois da pandemia (uma crônica)


Estamos em dezembro de 2020 e, assim como ocorreu em março e abril, estamos com uma superlotação dos hospitais. Dessa vez não é por conta de nenhum vírus mortal nem medo de contágio. Vivenciamos mais um baby boom.



O noticiário da TV entrevista uma mamãe que acaba de ganhar trigêmeos – uma menina e dois meninos:
— Foi uma surpresa para a senhora nascerem três de uma vez?
— Olha… Pelo tempo que ficamos presos dentro de casa, eu nem me espantaria se na semana que vem nascerem mais alguns…
— E a senhora já escolheu os nomes.
— Já. A menina será Maria Corona, e os meninos serão Virusley e Arco Gerson.
O mais surpreendente é ver como o mundo mudou. Acostumamo-nos a ficar em casa. Empregos desapareceram e outros cresceram vertiginosamente. Hoje parece que todo mundo é entregador, artista ou youtuber. As assinaturas de TV por streaming cresceram tanto que a maioria das séries já foram maratonadas e zeradas por quase todo mundo. Estúdios de animação estão ficando milionários, porque os atores ainda não querem ir pros estúdios. Aqueles que se arriscam são evitados nas ruas e clamados na TV. Sem contar que os filmes mudos estão voltando à moda por falta de coisa nova.
Aulas de tricô e crochê estão em alta nos cursos on-line. Quem sabe fazer, ensina. Máscaras e luvas são os mais procurados. Mas quem está ganhando dinheiro com isso é quem entende de moda. As máscaras de crochê com desenhos de bocas realistas ficaram na moda por algum tempo, mas logo desistiram delas, porque as pessoas fugiam de quem as usava pensando que eram alguns malucos que ainda ousam andar desprotegidos.
Ah, sim. Tem algumas seitas que pregam ser seguro sair às ruas sem proteção. Podem ser vistos andando agrupados em plena luz do dia, sempre fugindo da polícia. Alguns chegaram a dar entrevistas para corajosos repórteres paramentados como astronautas:
— Mas vocês não têm medo de ser infectados?
— Cara, isso já passou. A epidemia está controlada.
— Mas vocês acreditam apenas nisso, ou também fazem aquelas reuniões para defender que a Terra é plana?
Até a criminalidade mudou de tática. Não há mais turistas ricos para serem assaltados. Aliás, as lojas agora só vendem on-line e ninguém mais viaja. Então o jeito é se passar por entregador. Num condomínio de luxo em São Paulo invadiram um apartamento e fizeram a limpa. Dois bandidos estavam disfarçados de entregador e outros dois entraram escondidos numa caixa de máquina de lavar. Quando o dono da casa lhes apontou uma arma, os bandidos baixaram as máscaras, ameaçaram tossir e a família se rendeu. Entre outros bens de valor, levaram muitos pacotes de papel higiênico e vários galões de sabonete líquido e álcool gel.
Antes de saírem, os cruéis meliantes fizeram questão de passar as mãos nuas no chão, nas paredes e maçanetas para evitar serem seguidos.
Nesse aparente apocalipse, acostumamo-nos a uma nova realidade sem aglomerações. Apesar dos milhões de divórcios, o mundo até parece mais romântico. Pegar na mão passou a ser uma intimidade extremamente pudica. Fazer isso em público pode resultar em prisão por atentado despudorado à saúde pública. Beijo? O que é isso? Aparentemente as próximas gerações nem saberão como nascem as crianças. E o mundo, afinal, será repovoado pelos teimosos.

22 de agosto de 2018

Correios, privatizações e o papel do Estado


Vejam só o que é o monopólio estatal...
Fiz uma compra no AliExpress. O objeto foi enviado da China. O relatório não mostra o trajeto da China à Suiça, mas informa que foi despachado para cá no dia 9 de agosto. Como eu paguei o frete mais barato, era de se esperar que demorasse para chegar ao Brasil. Surpreendentemente, dia 15 (6 dias depois) já estava em terras tupiniquins.
O itinerário mostra várias etapas ocorridas no dia 15: recebimento pelos Correios, chegada à fronteira, manuseio pela aduana (duas vezes) e fiscalização aduaneira finalizada. Até aqui, tudo belezinha, tudo feito no mesmo dia.
Mas aí ele vai para uma Unidade de Distribuição em Curitiba, nesse mesmo dia 15 de onde é enviado para uma tal Unidade de Tratamento. Fica dois dias lá. Sabe-se lá que tratamento o pacote fez. Deve ser um Spa. Ele volta, então, para a Unidade de Distribuição no dia 17, onde fica mais 3 dias sendo admirado. Dia 20 ele é enviado para a Unidade de Distribuição de São José dos Pinhais, onde pernoita (Detalhe: ele chegou lá às 10 h 39 min, mas tinha que ficar lá o dia inteiro!), para só dia 21 sair para entrega e, finalmente, chegar às minhas mãos.
Fazendo um resumo, minha compra saiu da Suiça dia 9 e chegou ao Brasil dia 15. Foram seis dias, mesmo pagando o frete mais barato.
Chegando ao Brasil, ele passeou por Curitiba durante 5 dias, ficando parado em vários lugares, depois dormiu mais uma noite em São José dos Pinhais (que é vizinha de Curitiba, para quem não sabe) e só no dia 21 foi entregue. Total, 6 dias.
Foram 6 dias da Suiça até Curitiba, depois 6 dias de Curitiba até São José dos Pinhais. Demorou mais pra ser enviado à cidade vizinha que pra dar um quarto de volta ao mundo!
Se eu perguntar aos Correios o porquê dessa demora, vão aparecer milhares de justificativas. Mas, sinceramente, vocês acham que o cliente quer justificativa? Nós queremos é eficiência. Nessa velocidade e burocracia, se um adolescente chinês fizesse uma encomenda a uma empresa brasileira, provavelmente seu bisneto receberia o pedido!
Depois não entendem por que queremos privatização e livre concorrência. Só quem ganha com monopólio e empresas estatais é funcionário preguiçoso, com estabilidade e salário que não justifica o serviço que ele executa. E aí estou incluindo desde o funcionário dos Correios, passando pelos executivos que fingem que administram a bagaça e chegando aos políticos que ganham propina pra não privatizar esse troço.
Antes que eu pareça estar generalizando, quero dizer que a moça que faz as entregas das encomendas aqui em casa é eficiente. Todo dia a vejo na sua bicicleta descendo a rua e entregando as encomendas e cartas. É simpática e parece gostar de seu trabalho. Não é dessas pessoas que estou falando. É lógico que há excessões. E espero sinceramente que, se um dia houver privatização desse elefante branco, que essas pessoas eficientes sejam reconhecidas e seus empregos mantidos. Os demais têm mais é que levar uma bela rasteira, mesmo.
Chega de Estado interferindo no funcionamento, tolhendo a livre iniciativa. Deixem trabalhar quem quer trabalhar, buscar eficiência, aprender a fazer melhor.
Trabalhei 6 anos numa empresa privatizada. Antes da privatização havia manifestações, diziam que ela seria comprada por estrangeiros, que estavam dando nossa empresa de alta tecnologia pros gringos... A privatização ocorreu mesmo com muita gente torcendo contra. Ainda bem. Depois disso ela, que já era um motivo de orgulho, ficou melhor ainda. Hoje é a quarta maior empresa do mundo em seu ramo de negócios. Deu pra perceber que é da Embraer que estou falando?
Quando fui contratado para trabalhar lá, foi como realizar um sonho. Sentia-me o máximo em poder dizer que trabalhava lá, e até hoje me orgulho disso. Naquela época eu podia ver as sequelas que ela carregava por ter sido uma estatal, mas ao mesmo tempo eu via o quanto todos trabalhavam para mudar mentalidades e atitudes, inovar, renovar, criar a partir do nada para competir no mercado global.
Lembro de um diretor que era muito criticado por alguns ao usar um slogan: "Cliente com peça é cliente feliz". Diziam que havia muitos outros problemas a serem resolvidos, que não era só a entrega de peças que precisava ser focado... Eu cursava administração na época e entendi sua posição. É preciso atacar primeiro o problema mais grave. Quando ele não for mais um problema, então partimos para o próximo. Isso se chama, em Marketing, Princípio de Pareto, e propõe que vinte por cento das consequências correspondem a oitenta por cento das causas. Então, pegue o problema mais grave e ataque-os primeiro. Com vinte por cento do esforço, você resolverá oitenta por cento do que não está funcionando bem. Era o que esse diretor fazia com seu slogan.
Eu lembro de um administrador muito famoso que foi criticado por algo parecido: Henry Ford. Ele dizia que o cliente poderia ter o carro da cor que quisesse, desde que fosse preto. Hoje, dizer isso seria absurdo! Mas devemos analisar sua frase à luz do contexto em que ele vivia. Ford criou uma indústria que popularizou os automóveis. Naquela época apenas umas poucas pessoas podiam ter um carro. Com seu modelo T, Ford fez o automóvel chegar à classe média, barateando muito o produto. Para isso ele criou algumas inovações que lhe permitiram reduzir imensamente seus custos. Criou a linha de produção, responsável por rapidez na fabricação e entrega, aumento da qualidade final e barateamento da mão de obra.
Ora veja, se uma indústria produzia dez automóveis por mês e a Ford Company produzia dez vezes isso, então o custo dos salários embutido no preço final era um décimo do de seus concorrentes. Nesse mesmo mês ele comprava dez vezes mais matéria prima, conseguindo preços mais baratos de seus fornecedores por economia de escala. Era o que acontecia com a tinta. Se ele comprasse apenas uma cor, teria uma economia pelo volume da compra. Se comprasse várias cores, todas elas sairiam mais caras. HAvia também os custos de trocar as cores nas câmaras de pintura, o que demandava tempo improdutivo para ajustar o processo.
Percebem como Ford estava certo? Também estava o diretor da Embraer que priorizou a entrega de peças aos clientes. Mais tarde, quando trabalhei em empresas aéreas, vim a saber o quanto é grave para uma companhia ter um avião parado sem peças sobressalentes para colocá-lo de volta a voar. Avião no chão é dinheiro perdido, como se costuma dizer no meio. Só voando ele gera receita para a empresa. No chão, só gera gastos, e muitos!
Enfim, tudo isso foi para concluir que um governo deve se preocupar em manter o básico. São quatro áreas para cuidar, o resto é supérfluo.
1.       Segurança. Interna e externa. Um governo deve prover polícia e forças armadas para que o povo sinta-se seguro, protegido e possa trabalhar em paz.
2.       Saúde. Isso inclui hospitais, profissionais dignamente remunerados, campanhas de vacinação, centros de diagnóstico e assuntos correlatos.
3.       Educação. É o que garante um povo preparado para dar continuidade ao progresso do país. Com educação há menos conflitos, pois aprende-se a argumentar, dialogar, compreender o próximo, aceitar diferenças. Também há mais produtividade, mais qualidade de mão de obra, menos perdas. Ela provê consciência, cidadania, respeito e igualdade entre as pessoas. Enfim, é com educação que teremos um povo que saberá cobrar do governo o que é necessário.
4.       Infraestrutura. Para o país funcionar, certas coisas não podem ser deixadas exclusivamente à iniciativa privada. O governo deve prover transporte (estradas, ferrovias, hidrovias), saneamento, energia. Incluo nisso o controle do funcionamento das instituições, como as agências reguladoras, a economia, a máquina política, o funcionamento dos três poderes de forma decente, inclusive com o combate à corrupção.
Se o governo estiver explorando petróleo, transportando carta, administrando indústrias, construindo moradias ou vendendo bilhetes de loteria, então estará se desviando de sua função. Isso não é papel do Estado.
Pense nisso.

27 de fevereiro de 2018

Aeronave com asas dobráveis. Devemos ter medo?


Recentemente eu procurava por um vídeo específico no YouTube quando me deparei com uma demonstração do ensaio da articulação da ponta da asa do novo Boeing 777X. O vídeo, em si, não é nada demais. Mostra apenas um equipamento dobrando uma estrutura articulada e retornando à posição original. Mas os comentários me chamaram bastante a atenção, porque nele pude perceber o quanto as pessoas comentam e criticam aquilo que desconhecem sem nem se darem o trabalho de pesquisar um pouco.



O link para o vídeo é este aqui:


O Boeing 777X terá a ponta das asas dobráveis. Muitos de vocês já deve ter visto que alguns aviões têm uma espécie de barbatana nas pontas das asas. Essa barbatana é conhecida por winglet e tem a função de gerar economia de combustível durante o pouso e a decolagem. Isso porque nessas etapas a velocidade de voo é mais baixa e há a formação de um vórtice (redemoinho) nas pontas das asas causando um arrasto (atrito) e consequente aumento no consumo de combustível. Em velocidades mais altas esse vórtice também se forma, mas o arrasto gerado é muito menor.

Há algumas fotos que mostram esse vórtice se formando quando o avião passa perto de nuvens ou fumaça.



Voltando ao assunto do site, o que eu estava procurando era um vídeo onde o engenheiro chefe do projeto 777X explica por que as pontas das asas serão dobráveis. Em resumo, as pontas das asas virarão winglets durante os pousos e decolagens e se esticarão virando asas normais durante o cruzeiro, quando o winglet não é mais necessário.

No entanto, aquele vídeo do link acima mostra apenas o ensaio desses winglets articulados. Mas os comentários mostram que as pessoas que assistiram ao vídeo são completamente leigas e fazem perguntas nada pertinentes. Melhor do que falar deles, é mostrá-los.


O primeiro comentário ao vídeo é alguém perguntando “Por favor, explique pra que isso?”. Vejam as respostas que outros internautas deram a essa pergunta.


Esta pessoa quase acerta. Diz que é uma ponta de asa dobrada pelas razões usuais (ele não usa termos técnicos), mas acrescenta que o avião será muito grande para os aeroportos, então, ao invés de alterar a estrutura aeroportuária, é mais fácil fazer com que a asa dobre 12 pés em cada ponta.

Sim. O 777X terá uma envergadura bastante grande, mas não é por isso que as pontas das asas dobram. Afinal, quando fizeram o A380 os aeroportos tiveram que se virar para se adequar a um avião gigante de dois andares. Aliás, a envergadura da asa do A380 é de 80 metros, enquanto a do 777X será de 72 metros. Logo, se o aeroporto pode receber um A380, estará plenamente capacitado a receber um 777X.


Mais um que diz que é para economizar espaço e ainda acrescenta que desde a segunda guerra que já existem aeronaves com asas dobráveis. Acontece que aquelas aeronaves eram usadas em porta-aviões, onde o espaço precisava ser otimizado ao extremo, e as asas, uma vez esticadas, eram fixadas com pinos que as mantinham rígidas exatamente como uma asa que não se dobra. Da decolagem até o pouso a asa não mudava de configuração, isto é, elas não se dobravam em voo. No caso do 777X, ele decolará com a ponta dobrada e a esticará em cruzeiro, voltando a dobrá-la para o pouso.


Agora vejamos estes comentários a seguir.


“Não gosto disso… Mais uma parte móvel para nos preocupar.”

Talvez a preocupação seja porque essa pessoa pensa que a asa se dobrará ao meio. Considerando que o winglet tem apenas a função de reduzir o vórtice formado na ponta da asa e que em nada contribui para a sustentação, esse temor não tem razão de ser.


“Imaginei que uma parte maior da asa fosse se dobrar.”

Provavelmente porque ele está pensando que a função dessa articulação é economizar espaço.


“Eu gostaria da ideia já que economizaria espaço e tudo o mais, mas não me sentiria exatamente tão seguro quanto numa aeronave de asas estáticas.”

O passageiro dessa aeronave pode se sentir tão seguro quanto numa aeronave com winglet imóvel.


“Uau. Não é grande coisa.”

Se você pensar que isso é para economizar espaço no aeroporto, não é mesmo!


“Há alguma razão para a Airbus não fazer o mesmo com o A380? Assim eles poderiam ter as maiores asas que um avião precisa para ter consumo eficiente e ainda poder atracar nos aeroportos… ou perdi alguma coisa?”

Não. A Airbus poderia usar o mesmo recurso. Apenas a Boeing pensou nisso primeiro, ou conseguiu tornar tecnicamente viável antes da Airbus. Se considerarmos que o mecanismo para mover essa peça pode gerar um aumento de peso na aeronave, então é preciso verificar se a economia de combustível compensa.


“Essa caixa amarela na ponta da asa vai parecer esquisita ao lado do avião.”

Acho que este estava de gozação. Isso é um laboratório de ensaios. Não terá essas cores na aeronave pronta!


A propósito, o vídeo que eu estava procurando é este aqui:


Nele, é explicado e mostrado que apenas a ponta da asa se dobrará, e que a finalidade é aumentar a eficiência de consumo de combustível. Não tem nada a ver com espaço em aeroportos. Diminuir o arrasto em qualquer etapa do voo é sempre um objetivo a ser alcançado nos projetos de aeronaves.

6 de dezembro de 2017

O que é arte?


Há tanta polêmica sobre o assunto hoje em dia que resolvi também dar minha opinião. Um museu expõe um homem nu interagindo com crianças e, quando a “obra” é criticada, os defensores acusam esses críticos de não entenderem nada de arte.

No entanto, não há uma definição clara sobre o que é arte. Na antiguidade, foi criada uma divisão das artes em tipos de acordo com suas aplicações. Assim, a primeira arte seria a música, que explora o som; a segunda, o teatro, incluindo aí a dança, por explorar o movimento,; a terceira,  a pintura, que explora a cor; a quarta, a escultura, explorando o volume; a quinta, a arquitetura e a exploração do espaço; e, por fim, a sexta, a literatura, exploradora da palavra.

No século passado, Riccioto Canudo escreveu um manifesto e atribuiu ao cinema o status de “sétima arte”, por agrupar diversos aspectos das demais. Daí por diante, novas classificações enumeram a oitava arte como sendo a fotografia; a nona, os quadrinhos; a décima, os jogos de computador; e a décima primeira, a arte digital. Não vamos entrar no mérito do valor dessas classificações. Deixemos isso para outro artigo.

Mas o que define a arte? Se for somente a exploração da cor, do som, do movimento, do espaço, do volume e da palavra, então tudo é arte. Nosso caminhar, nossas conversas, uma ata de reunião, a rua, uma árvore, enfim, tudo que tenha cor, som, movimento, palavras, volume e espaço.

“Tudo é arte”. Essa frase é repetida como mantra por alguns que defendem formas “incompreendidas” de arte. Marcel Duchamp, ao apresentar ao mundo sua polêmica “Fonte”, abriu a discussão sobre o que é e o que não é arte. A questão é: tudo “é” arte, ou tudo “pode ser” arte?

Se excluirmos os usos metafóricos da palavra arte (a arte da guerra, a arte de conquistar clientes, a arte de ser popular, aquela criança fez arte, etc.) o dicionário traz, entre outras definições, a seguinte:

“Produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana.”

É uma definição bastante vaga e, por isso mesmo, limitada, que exige complementos e explicações. Como não há uma versão definitiva e inquestionável sobre “o que vem a ser arte”, então a discussão “tudo é” versus “tudo pode ser” continua gerando polêmica e discussões. Por exemplo, como fica a dança nessa definição, se a dança não é obra, nem forma, nem objeto? A produção é arte, mas o produto, não?

Eu venho dar minha contribuição na tentativa de ajudar a conceituar algo tão abstrato como arte e separar o joio do trigo.

Se é difícil criar um conceito, sigamos no sentido contrário e tentemos identificar o que há de comum naquilo que consideramos arte e naquilo que desprezamos como lixo. Na região nebulosa entre esses extremos ficam as tentativas de se criar arte, a arte ruim, e outras produções questionáveis.

Para começar, a arte tem de ser intencional. Os rabiscos de uma criança numa folha de papel não é arte. As manchas de tinta num avental não constituem arte.

A arte tem que provocar algum reflexo no senso estético do observador. Ela é feita para ser vista, ouvida ou sentida de alguma forma e provocar algum tipo de sentimento no receptor. Esse efeito não precisa, necessariamente, ser a beleza como reflexo primário da obra. Uma foto de uma pessoa feia pode causar reações negativas, desgosto, nojo… Mas, indiretamente, a beleza está na capacidade do artista em captar a iluminação que realça as rugas, em mostrar um sorriso em meio à miséria, em denunciar o sofrimento a quem vive numa ilha de conforto. A beleza está em causar a emoção no público, levar a várias interpretações, propor o questionamento, desde que isso tudo, como já disse, seja intencional. Assim, uma gravura de uma lata de sopa de tomate, um bidê autografado e denominado “A Fonte”, ou um desenho de uma praça cheia de bandeirinhas de São João são formas de arte. Um homem nu se expondo numa sala, não.

Em todo caso, a arte é um trabalho. E, como tal, exige um esforço do artista. Se não um esforço físico, como uma escultura de Davi em mármore, pelo menos o esforço intelectual de chamar o bidê de fonte para provocar questionamento ou reflexão. Quando não há esforço laboral nem cognitivo na produção da arte, como uma pichação ou um mero respingar de tinta numa tela, então não é arte.

Pode acontecer de a arte não ser reconhecida como tal por estar fora de contexto ou exposta ao público errado. A arte nem sempre é universal. Pode exigir explicações. Quando se expõe diversas obras das mais variadas origens e formas, expondo relações sexuais homoafetivas, com animais ou violentas para menores de idade e sem contextualização, então dois erros foram cometidos: público errado e falta de explicação. Nesse caso, o que era arte deixa de sê-lo. Vira zona.

Podemos dizer que transformar uma latinha de refrigerante numa lamparina, um tricô, um crochê, uma renda, ou uma campanha publicitária bela e emocionante são trabalhos que possuem mais teor artístico do que muito daquilo que é exposto em galerias, mesmo que não sejam chamados de arte.

Não basta dizer que é arte. É preciso reunir essas características:

·         Esforço consciente;
·         Possuir atributos de beleza de forma direta ou indireta;
·         Promover a crítica, a reflexão ou a admiração;
·         Estar inserida num contexto;
·         Ser destinada ao público correto.

Vejamos se, com isso, podemos resumir a arte numa definição única.

“Arte é o produto ou execução de um esforço consciente do artista na intenção de transmitir uma reação no senso estético de uma plateia adequada e dentro de um contexto claro, promovendo a crítica, a reflexão ou a admiração da obra.”

Essa definição parece evitar algumas falhas da definição anterior, e não tenho a pretensão de tomá-la como definitiva. Estou aberto a comentários, questionamentos e sugestões.


O que você considera arte? Se encaixa nessa definição?

27 de julho de 2017

A "senhorita" está em coma.

Excepcionalmente, publicarei este artigo nos meus dois blogs. Ele diz respeito a ambos, porque trata de língua portuguesa e não deixa de ser um pitaco, uma opinião.

A palavra “senhorita” está fadada a desaparecer. Ela não tem mais sentido. Seus dias estão contados.

E por que eu digo isso?

Num passado não muito remoto, o papel da mulher na sociedade era ser propriedade do homem. A forma como isso se dava diferia de uma região pra outra. Em alguns lugares a submissão era total. O homem fazia o que bem entendia e a mulher acatava. Silenciava, obedecia e até apanhava. Em outros, havia uma submissão mais velada. Embora houvesse uma aparente liberdade, elas eram educadas para cuidar da casa enquanto o homem trabalhava. Seus brinquedos eram bonecas, fogões, pias. Quando um pouco maiores, ajudavam a mãe a lavar a louça enquanto os meninos iam jogar bola.

O sonho dessas mulheres era conseguir um bom casamento. Ainda assim, muitas vezes nem eram elas que faziam a escolha. No casamento elas mudavam de dono. O pai passava a propriedade da filha para o genro, seu novo dono. Isso ainda é representado nas cerimônias de casamento, em que o pai conduz a noiva ao altar e a entrega ao noivo.

Mas vivemos um tempo em que, felizmente, isso está mudando. Felizmente, porque é importante acontecer, embora não aconteça de forma tão rápida nem fácil. O machismo e o paternalismo ainda estão muito enraizados na cultura de homens e, lamentavelmente, também de mulheres.

E é nesse ritual matrimonial que a palavra “senhorita” se manifesta. A mulher era senhorita enquanto propriedade do pai. Como num cenário de hierarquia, senhorita era uma posição subordinada aos pais: o senhor e a senhora. Após o casamento, ela subia de hierarquia, supostamente no mesmo nível hierárquico do seu marido e senhor. Friso: supostamente.

Chamo ainda a atenção para o fato de que o filho do casal, quando estes tinham um funcionário ou empregado, era tratado por senhor. Nunca existiu um “senhorito”.

No cenário que temos hoje, a mulher já não precisa sonhar com um casamento para ter uma ilusória independência dos pais. Há alternativas. Há um mercado de trabalho em que elas podem se tornar senhoras sem depender de um casamento em que apenas transferirão a relação de dependência. E esse mercado é crescente. Antes era limitado a magistério, enfermagem, serviços domésticos, artes e prostituição. Mais tarde, garçonetes e comissárias. As mulheres provaram ao mundo que elas podem ser também médicas, engenheiras, pilotas, empresárias, mecânicas, atletas, marceneiras, tudo. Elas têm capacidade física e intelectual para exercer qualquer ofício que desejem. Então, se ela for uma profissional solteira, independente financeira e socialmente de seus pais, qual a finalidade de serem chamadas de senhoritas?

Essas mulheres são senhoras. Não por estarem ligadas a um senhor que as governe, mas por terem autoridade sobre a própria vida, por fazerem suas escolhas sem precisarem pedir bênçãos a ninguém.

O termo “senhorita” está ficando restrito. Seu valor está mais atrelado à idade que ao estado civil. Eu me recuso a chamar uma mulher independente, adulta, de senhorita, apenas pelo fato de ela não ter se casado. Para mim, essa mulher é uma senhora. Ela dirige a própria vida. É dona de si.

E não vejo por que a criança, ainda no seio familiar, precise dessa diferenciação. Se o irmão dela é tratado por senhor (ou senhorzinho), ela bem pode ser senhora (ou senhorinha). Afinal, em relação aos empregados da família, elas são patroazinhas também.

Ao final, o termo ficará moribundo, respirando por aparelhos ligados aos concursos de beleza. E, ainda assim, em inglês, o que torna a palavra ainda mais apagada.


Descanse em paz, “senhorita”.

11 de abril de 2017

Americano ou Estadunidense?


Tenho visto com muita frequência o uso da expressão “estadunidense” para se referir a quem é natural dos Estados Unidos da América (ou apenas Estados Unidos). E discordo veementemente dessa moda que se alastra.

Ora, vejamos. O país se chama Estados Unidos da América (United States of America). Ele nasceu da união de treze estados confederados, formando uma confederação que recebeu essa denominação. O termo “Estados Unidos” é uma expressão que indica o tipo de formação política do país, mas não é o seu nome. O nome do país, de forma abreviada, é América. Da mesma forma que o nome completo de nosso país, a que chamamos carinhosamente de Brasil, é República Federativa do Brasil.

Ainda assim, quem aqui nasce é chamado “brasileiro”, e não “republicafederativense” (ou algo do tipo). Vejamos outros exemplos. Quem nasce na República Popular da China é chinês, não “republicapopularense”. Quem nasce na República Federal da Alemanha não é “republicafederalense”, mas alemão. Então por que chamar quem nasce nos Estados Unidos da América de “estadunidense” ao invés de, simplesmente, americano?

Alguns dirão que americano é quem nasce no continente América. De fato. O continente se chama América. Aliás, são três continentes. Quem nasce na América do Sul é sul-americano, quem nasce na América Central é centro-americano e quem nasce na América do Norte é norte-americano. As pessoas que defendem esse posicionamento acreditam que falar dos americanos é falar dos norte-americanos. Porém a América do Norte compreende três países: Canadá, América e México. Nela também se encontram quatro territórios: as Bermudas (do Reino Unido – que, aliás, se chama Reino Unido da Inglaterra e da Irlanda do Norte), a Groenlândia (da Dinamarca), a Ilha de Clipperton (da França) e Saint Pierre et Miquelon (também da França).

Seria um problema, então, chamar americano quem nasce nos Estados Unidos da América? Isso criaria tamanha confusão que você poderia pensar que um americano poderia ser alguém natural de Groenlândia? Claro que não. Aliás, o próprio povo americano se refere a seu país como América (assim como nós chamamos o nosso de Brasil). Aceitem: esse é o nome do país. Se podemos aceitar que há dois lugares chamados São Paulo, um estado e uma cidade, e da mesma forma há dois Rios de Janeiro, por que não aceitar que há uma país chamado América que fica dentro do continente Americano.

Mas como saberemos, então, de onde é a pessoa quando o chamamos de americano? Ora, normalmente nós identificamos a origem da pessoa pelo país, e não pelo continente. Se a pessoa nasce no México, não o chamamos de norte-americano nem de americano. Chamamos de mexicano. Se nasce no Peru, não dizemos que é americano, sul-americano ou latino-americano. Dizemos que é peruano.

Enfim, essa mania de chamar os americanos de “estadunidenses” é, para mim, um preconceito xenofóbico que tenta descaracterizar a legitimidade de tudo que vem daquele país. Há tanta gente que fala mal dos americanos sem sequer conhecer o país. E não me refiro apenas aos parques de diversão fantásticos e aos paraísos das compras. É um povo trabalhador, com uma rica cultura, que mora num território imenso de ricas belezas naturais. Não desmereço com isso nada do que temos de bom aqui no Brasil, mas reconheço que a América é, também, um lugar belo e rico, tanto geográfica como culturalmente.

Portanto, quem nasce na América – nos Estados Unidos da América – é americano. Não tente distorcer essa verdade e mudar o que o mundo inteiro reconhece e tentar fazer parecer que só os brasileiros estão certos ao chama-los por um termo que ninguém no mundo usa: estadunidense. Isso não existe. É invenção.

Enfim, só por curiosidade, o nosso próprio país já se chamou um dia Estados Unidos do Brasil. E nem por isso quem nasceu aqui naquela época deixou de ser brasileiro.